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A Corrupção Nossa de Cada Dia

Sou um homem movido por muitas paixões. Sou também um homem regido por muitas razões. Tento, embora o sucesso da empreitada nem sempre apareça, manter um equilíbrio entre estas duas forças que se apoderam de minhas crenças, de minhas vestes, de minhas atitudes e de minhas omissões. Como um homem do meu tempo também alimento esperanças, cometo pecados e alisto-me em muitas batalhas.

A necessidade de amar e ser amado, a necessidade de compreender e ser compreendido, a necessidade de ser partícipe das decisões que irão permear o meu mundo, tudo isso também faz parte de mim. Tudo isso faz parte do homem que sou. Sou também um homem de muitos refúgios: a literatura, o futebol, o amor, a fé, a ciência, a filosofia, a arte, o ócio, o cinema, a internet, a amizade, a história, a política, a morte. Embora nem sempre tendo aquela velha opinião formada sobre tudo, vou tecendo minhas idéias, minhas teses e delas alimento meu espírito.

Ao contrário de alguns, não creio que a política seja algo malévolo. Não há um demônio a espreitar os agentes políticos. Sempre que o noticiário é povoado por alguma corrupção praticada por um deputado ou ministro a opinião pública cai de pau em cima. Atira pedras que dariam para erguer uma pirâmide. Os paladinos da justiça exercitam sua espada, pronta a retirar as entranhas do pecador público. Não há em mim nenhum advogado de defesa a se levantar contra o povo em favor de qualquer ladrão. Longe disso! O que há, embora que tímida e reticente, é apenas uma voz a lembrar que esse colosso de miséria não é patrimônio exclusivo de políticos. Somos todos miseráveis. Somos todos rastejantes. Somos todos o mal vil opróbrio.

Não concebo a idéia de que políticos venham de Marte ou da lua. Não concebo a idéia de que políticos são monstros criados em laboratórios. Não concebo a idéia de que políticos são compostos por genes diferentes dos nossos. Não concebo a idéia de que políticos são mais pecadores do que nós e que herdarão latifúndios no inferno maiores do que as nossas cabanas. O político é apenas o José, o João, a Maria, o Sebastião eleito por outro José, outro João, outra Maria, outro Sebastião. Se a nossa política é julgada e condenada como uma das piores do mundo não seria o caso de questionarmos nossos próprios valores? Não seríamos um país de corruptos? Ou nos deixaremos levar pela tentadora e confortável ideia de que somos um país de gente boa, vítima de políticos ladrões?

Apedrejamos o deputado que se vale do esquema licitatório mas  acariciamos a cabeça do filho que suborna o guarda de trânsito para não ter sua carteira apreendida. Fuzilamos o ministro pego em adultério de notas fiscais mas beijamos na testa o contador que falsifica os documentos da nossa empresa de fundo de quintal. Queremos a morte em brasas do senador que faz fortuna com dinheiro público mas pagamos uma cerveja ao colega que nos fornece cola na prova de matemática. A corrupção está em todos os vãos, em todos os balcões, em todos os apertos de mão. Está no livro de contabilidade da padaria onde compramos o pão nosso de cada dia. Está no cofre na igreja onde nos sentamos aos domingos e entoamos louvores ao Senhor. Está na redação, no escritório do jornal que nos informa sobre o mundo e sobre os homens. Está no gol de cabeça que o camisa 9 do nosso time faz, para nosso delírio. Brasília não é um oásis ao contrário. Não é uma ilha de ratazanas em meio a um oceano de carneiros de pura lã.

Guardo bem a minha mão antes de pegar em pedras. Guardo bem a minha mão antes de empunhar a espada da justiça. Há um miserável em mim, que dorme longo sono, mas que acordado, exige de mim, um colchão mais macio. Há ratos que também roem sem piedade a minha moral, a minha ética, a minha cesta de valores. Há uma luta em mim contra isso. Há um fratricídio, na verdade. Mas não sou invencível, não sou incorruptível. Também temo alguma criptonita. O pecado também se alimenta de minha carne. Sou apenas um homem.

Enxotamos a pauladas o trombadinha que nos leva R$ 30,00. Escorraçamos do nosso armazém a mulher mãe de filhos que furta uma lata de leite Ninho. Invocamos para tal a justiça, a mais pura e cega justiça. Esquecemos, porém, de convocar a mesma justiça quando passamos a perna no vizinho mal informado, quando levamos vantagem em algum negócio escuso.

Nossa moral também se apoia em frágeis bengalas no exercício diário de atravessar a rua. Se o julgamento for pelas manchas nas vestes não há no mundo sabão em pó suficiente para depor tanta sujeira. Se o inquisitório for pelas penas da moral não há inferno suficiente para queimar tantos pecadores.

Anderson Alcantara

Jornalista e Escritor

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